Jornal Evangélico Luterano

Ano 2018 | número 818

Sexta-feira, 19 de Abril de 2024

Porto Alegre / RS - 22:54

Unidade

Eu sou o SENHOR, teu Deus

A conta não fecha! Quando o dinheiro termina antes do fim do mês, é preciso ganhar mais ou gastar menos. Se não acontece assim, as dívidas tomam conta. Matemática fácil, execução difícil... Como mexer no orçamento para que as contas fechem? Segundo emprego? Filhos deixando de estudar para ganhar a vida? Lutar pela redução de impostos, que consomem cinco meses de salário no ano? Como fazer com os imprevistos, que, em geral, são despesas e não receitas?

Olhando para além das contas pessoais, a realidade é mais complicada. O desemprego continua nos mesmos níveis de 2016, alcançando em torno de 13 milhões de pessoas. Pela primeira vez, o número de pessoas em atividades informais supera o número de pessoas assalariadas. Informais sem receitas regulares nem seguridade sócial. Empregados com média salarial em queda. Aposentadorias sem aumentos reais. Isso é precarização ou ‘uberização’ do trabalho.

Esse quadro não leva em conta os dois milhões de pessoas no Rio de Janeiro, reféns de milícias, que, por sua vez, cobram o seu preço para fornecer gás e ‘segurança’. Mais: as vítimas de assalto! Para os 25 milhões de brasileiros que vivem abaixo da linha da pobreza, com menos de 1 dólar por dia (que já foram 43 milhões), a realidade também é outra. Vivem com o ganho diário, da mão para a boca.

Constatação não é explicação nem diagnóstico. É necessário ver o sistema por trás do problema. Quem aprendeu a pescar para não depender do peixe dado descobre que também precisa lutar por lugar na beira do rio e por preço justo.

Uma definição clássica diz que economia é a arte de administrar recursos escassos, o que mostra não vivermos em um mar de rosas, mas somos gratos pelas rosas no caminho e os espinhos que elas têm (HPD 237,2). Crises existem. No entanto, a definição não explica como, na crise atual, surge um novo bilionário por mês (o ‘bolsa empresário’ foi muitíssimo maior que o Programa Bolsa Família) ou como o orçamento do Governo, cada vez mais endividado, afeta não apenas as suas próprias contas, mas a economia toda ou por que existem paraísos fiscais ou como a corrupção de políticos, empresas e cidadãos se relaciona com essa escassez e a aprovação de leis que favorecem uma minoria e a destruição da natureza. Toda vez que tive oportunidade de cruzar a Praça dos Três Poderes (Palácio do Planalto, Supremo Tribunal Federal e Congresso Nacional), em Brasília/DF, lembrava da frase: ‘O que manda mesmo é o poder econômico’. Será mesmo que a economia debilita a democracia ou será que a democracia já era fraca, deixando o poder econômico correr solto?

Constatação não é explicação nem diagnóstico. Ver bem é passar da fotografia para o raio-X. É ver o sistema por trás do problema. Isso requer esforço maior, lidar com dados complexos e dimensões diversas. Quem aprendeu a pescar para não depender do peixe dado descobre que também precisa lutar pelo lugar na beira do rio e por preço justo. O que está por trás é a apropriação da riqueza. Ela se dá pela dupla exploração: do trabalho alheio e da natureza. A apropriação possui mecanismos permanentes e cíclicos. Entre os permanentes, estão os bancos, que batem recordes de lucratividade. Depois do ciclo de relativa prosperidade, com ampliação do mercado interno, transferências de renda e o Brasil saindo do Mapa da Fome em 2009, presenciamos uma fase de reconcentração por meio de ‘reformas’: trabalhista, fiscal, previdenciária, nos direitos sociais e na legislação ambiental.

O clamor por mudanças verdadeiras é usado pelos poderosos para aprovar reformas e mudanças constitucionais, que, no fundo, beneficiam somente a eles próprios. Contudo não existe Aquiles sem calcanhar, sistema sem furo (os hackers que o digam), nem poder tão absoluto para não temer articula ções democráticas por justiça social, econômica e ambiental. Por temê-lo, os poderosos recorrem a mistificações midiáticas, cortinas de fumaça, areia nos olhos do povo. Lobos precisam da pele de cordeiro... e do anonimato.

Uma conta maior que não fecha: O Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente (PNUMA) publicou, em 2016, um estudo, mostrando que, na década de 1970, eram extraídos, por ano, em média, 22 bilhões de toneladas de recursos naturais (petróleo, minérios, biomassa). Na década de 2010, são 70 bilhões por ano, o que significa um aumento maior que o crescimento da população e da economia, ou seja, estamos fazendo menos com mais e o volume de resíduos aumenta três vezes mais que os habitantes do planeta.

Mais de 40% dessas toneladas vão para o lixo e a maior parte são plásticos derivados do petróleo. Se continuar nesse ritmo predatório, a previsão para a década de 2050 é de consumir 180 bilhões de toneladas por ano! O PNUMA diz que, então, vamos precisar de três planetas iguais ao nosso. Portanto, ‘desenvolvimento sustentável’ não é uma contradição em si? O ‘crescimento econômico’ não deveria ser zero, para o bem do planeta e de nós mesmos? Serrar o galho em que se está sentado não é sinal de inteligência. Precisamos de todas as inteligências para pôr em prática uma economia alternativa, circular, sem desperdício, regenerativa e solidária, que faça mais com menos. Bem comum é matemática séria.

As armas o Senhor nos dá: Espírito, verdade (HPD 97,4). A verdade desmascara, denuncia. Não deixa que sofrimento, exploração e injustiça sejam relativizados nem mistificados. Nossa água, bebemo-la a troco de dinheiro, nossos feixes de lenha vêm sob pagamento (Lm 5.4 TEB). O lamento surge quando alimento e energia, que devem servir ao bem comum, são transformados em mercadorias, em commodities negociadas na Bolsa de Chicago. Quando recursos que o planeta fornece de graça são apropriados por poucos.

Se os valores do Evangelho se contrapõem aos males causados pelo poder econômico, como pessoas cristãs e Igrejas podem agir de modo convincente e eficaz? Com iniciativas de construção de poder democrático legítimo e participativo!

O Espírito Santo pode ser entendido como defensor dos empobrecidos e vulneráveis, porque o Pentecostes aconteceu na festa das semanas, depois da qual, no antigo Israel, começa va a colheita, quando eles tinham o direito de recolher excedentes, inclusive sobras propositais (Lv 19.9s e Rt 2.2). Jesus cita como exemplo a insistência da viúva pobre contra o juiz corrupto (Lc 18.2ss). Aliás, o combate à corrupção cabe à sociedade. Igrejas deveriam saber usar a sua força espiritual para libertar da corruptibilidade.

Na compreensão de Lutero, Deus instituiu três esferas de governo para proteger os humanos e a natureza contra a ação usurpadora e (auto)destruidora: as autoridades (politia) para controlar a violência, a Igreja (ecclesia) para combater o pecado e ensinar o amor, e a ‘casa’ (oikonomia) para assegurar o bem comum. Fazem parte dessa ‘casa’ não apenas a família, mas também os relacionamentos locais, a economia regional e as associações de cooperação. Assim como na família se aprende a levar em conta as necessidades dos outros, assim a economia deve servir à justa distribuição dos bens. Também o trabalho serve à casa comum: quem lucrava com especulação e desonestidade deve agora trabalhar... com as próprias mãos... para que tenha com que acudir ao necessitado (Ef 4.28). Podemos nos interessar mais por economia solidária, ecovilas e comunidades intencionais sustentáveis, que já existem em bom número no Brasil e no mundo.

Se os valores do Evangelho se contrapõem aos males causados pelo poder econômico, como pessoas cristãs e Igrejas podem agir de modo convincente e eficaz hoje? No intuito de servir, cabe somar forças com todas as iniciativas de construção de poder democrático legítimo e participativo. Trata-se de colaboração crítica, visando a sair de um paradigma de escassez, desigualdade e competição para um de prosperidade compartilhada. Ele precisa ser ensinado e ensaiado de forma sistemática. Não basta uma solidariedade eventual, na hora de catástrofes. Carecemos de pessoas e Comunidades que digam: Não preciso ser rico, sei viver com menos. Posso ser rico para os outros, os mais necessitados. Posso participar de campanhas como o ‘desinvestimento’, em que instituições retiram as suas verbas de empresas poluidoras. A Igreja Luterana dos Estados Unidos (ELCA) aderiu, no Concílio/2016, prevendo desinvestir 7,5 bilhões de dólares. No mundo todo, a ação já chegou a 6 trilhões de dólares.

Ademais, para nós, que cremos em Deus, não ser solidário significa negar ou desonrá-lo. O desconhecido Agur de Massá diz em sua prece que duas coisas são para ele questão de vida ou morte. A primeira: Afasta de mim a falsidade e a mentira. A segunda: Não me dês nem a pobreza nem a riqueza: dá-me o pão que me for necessário. Para não suceder que, estando eu farto, te negue e diga: Quem é o Senhor? ou que, empobrecido, não venha a furtar e profane o nome de Deus (Pv 30.7-9).

Mais importante e vital, portanto, que lutar para que as nossas contas fechem, é que nos empenhemos para que a conta de Deus feche, ou seja, que o seu propósito de amor e sustento da Boa e Bela Criação chegue a bom termo, para o bem de todos.

P. em. Werner Fuchs, Ministro Emérito da IECLB

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