Jornal Evangélico Luterano

Ano 2017 | número 812

Quinta-feira, 28 de Março de 2024

Porto Alegre / RS - 07:25

Unidade

Lutero - Reforma: 500 anos

 

O mundo em que vivemos é hoje um lugar extremamente polarizado por discórdias que parecem não ter fim. Devido a esta realidade, constatamos que temos cada vez menos tranquilidade interior. Para preencher esta ausência de paz, este angustiante vazio, buscamos incessantemente sensações de prazer que possam camuflar os sentimentos de medo e insegurança quanto a um futuro que não se apresenta de modo promissor. Um exemplo destes fatos pode se ver em recente indicador de pesquisa, que aponta um crescimento de 33% na taxa de suicídios no Brasil nos últimos dez anos. A investigação se relaciona com a faixa de brasileiros na idade de 15 a 29 anos, fase da vida em que as pessoas, de modo geral, são mais imediatistas e buscam prazeres que deem retorno instantâneo (Revista Galileu, 2017).

A este respeito, o Escritor Rubem Amorese (Excelentíssimos Senhores) argumentou que pode se verificar entre os filhos da nação brasileira, a saber, entre os mais jovens, um clima de desânimo. Fundamentado na passagem bíblica de Colossenses 3.21, Pais, não irritem seus filhos, para que eles não desanimem, ele afirma que a escassez de modelos de liderança no âmbito da família e das mais distintas instituições da nossa sociedade, que transmitam confiança e segurança, têm levado as gerações dos mais novos a adotarem atitudes de descaso e agressividade.

Revela-se entre estes um estado emocional crescente de pusilanimidade, sendo algumas de suas características a desmotivação, o medo e a tristeza. O mais preocupante, destacando-se aqueles que se envolvem com a promoção e a manutenção da saúde pública, é que este estado de coisas se apresenta como terreno fértil para o aguçamento dos transtornos mentais, com os seus distúrbios típicos de ansiedade e depressão. A raiva incontida, que é a manifestação externa destes desajustes, emerge diariamente na forma de atos impetuosos de violência e destruição. A socialização, tão necessária para o convívio social, está mais difícil de ser obtida e mantida devido à impulsividade reativa de sempre mais pessoas.

É neste contexto desagregador (a bem da verdade não típico apenas da sociedade brasileira contemporânea, antes, um fenômeno global), que se instala a relativização de valores universais fundamentais, a exemplo do respeito, da justiça, da honestidade e da responsabilidade. O sentimento que se avoluma entre as pessoas das mais diferentes camadas sociais é de que pouco ou nada vale a pena, a incerteza que abandona e destrói, tornando as pessoas cé- ticas quanto ao triunfo final do bem e da verdade. O ser humano neste contexto ‘tornou-se tão cético e inseguro de valores, que já não consegue mais se perceber como um lutador contra o mal e em favor do bem’, citando-se aqui palavras da Psicóloga Deusa Rita Tardeli Robles (Revista Psicoteologia, 2013).

O sentimento que se avoluma entre as pessoas das mais diferentes camadas sociais é que pouco ou nada vale a pena, a incerteza que abandona e destrói, tornando as pessoas céticas quanto ao triunfo fi nal do bem e da verdade.

Quem são os responsáveis por esta situação, por este fenômeno? A resposta a esta pergunta possui muitas variáveis, não sendo possível determinar com clareza os envolvidos. De algum modo, todos nos tornamos partícipes desta situação. Retomamos as reflexões de Amorese, ao reconhecermos que todos nós necessitamos de modelos de liderança a partir dos quais constituímos o nosso código de valores, espelhamos as nossas decisões e ações. Pais e mães, líderes de todas as espécies, presentes em distintos setores da sociedade, se destacam como personagens centrais para a formação da personalidade e do caráter das gerações que vão seguindo. Se estas forem pessoas de alma apequenada (hoje há quem prefira o termo psique, em lugar de alma), assim serão também as que as seguem. ‘Muitos dos assaltos, assassinatos, sequestros, delinquências, etc. têm a ver com pusilanimidade. A falta de solidariedade, de paternidade segura e correta produz um exército de filhos desorientados’, afirmou Amorese.

Em sua explicação ao Mandamento de honrar pai e mãe (Catecismo Maior), presente no decálogo do Antigo Testamento, Lutero sustentou algo bem parecido ao até aqui discorrido, isto é, quando descreve a sua percepção de que a maioria dos pais e mães de seu tempo deixava os seus filhos e as suas filhas correr de modo solto, sem dar a estes a devida atenção: ‘A gente os deixa correr como se não fosse da nossa conta o que aprendem ou como vivem’. A consequência inevitável era a formação de gerações de jovens desanimados e desencorajados, de alma rompida: ‘Da mesma forma, os pais geralmente nada sabem. Um néscio educa o outro. Como vivem eles, assim depois vivem os filhos’.

O interessante desta aproximação reflexiva de uma realidade contemporânea com aquela de cinco séculos atrás é a percepção que as torna semelhantes. Pais e mães, lideranças pastorais, Políticos e Educadores, enfim, todos os que se encontram em posição de destaque, foram postos por Deus ao seu lado para por em prática uma paternidade social responsável entre os mais jovens. Ambos, Amorese e Lutero, concordam que a paternidade a ser exercida por todos e todas que, de algum modo, assumem funções de liderança, decorre da paternidade divina levada a efeito entre as suas criaturas, apontando claramente para uma ordem estabelecida pelo Criador. ‘Dessa maneira separa e destaca pai e mãe acima de todas as outras pessoas na terra e os põe ao lado dele’ (Catecismo Maior).

Vale esclarecer aqui que, ao se defender uma a paternidade responsável a ser desenvolvida pelas mais variadas liderança nos meios sociais, não se tem em mente adentrar em uma discussão relacionada com gênero. O que se propõe é que as pessoas mais velhas são chamadas por Deus a se transformarem em lugar de abrigo e segurança para os mais jovens, modelos de referência. Narrar acerca de paternidade social aponta primeiramente para Deus Pai, como aquele ser que nos acolhe e guia. O termo pai é semelhante em sentido à palavra pátria, indicando o lugar em que os filhos e as filhas de uma nação se sentem em casa.

 No contexto da matéria a que se fez referência no início, isto é, da pesquisa que aponta para um crescimento da taxa de suicídios entre jovens no Brasil, constata-se também que o que mais estes anseiam é encontrar pais, mães, Educadores, líderes de modo geral, que os ouçam e percebam, atuando responsavelmente por seu futuro. ‘Conversar sem pressa ou preconceito, mostrando preocupação e perguntando como pode ajudar’ (Revista Galileu, 2017) é a deixa a ser assumida como dívida em relação às próximas gerações. No que diz respeito à realidade social brasileira, em profunda crise de identidade e valores, se demanda uma genuína atitude de arrependimento em relação ao estado de coisas a que se chegou, um voltar-se ao Deus Pai e, então, ao próximo.

A nossa força vem de Deus. A aliança de Deus conosco, em Cristo, é a da alegria. Assumimos liderança responsável enquanto pessoas cristãs sempre por extensão daquela atitude que nos reconciliou e abraçou: a amorosa paternidade divina.

No ano em que comemoramos os 500 anos da Reforma da Igreja, somos convidados e convidadas a rememorar o que fez e disse Lutero acerca de temas candentes da sua época, a exemplo do aqui proposto. Vem deste a lembrança enfática do que o apóstolo Paulo já afi rmara nos inícios da era cristã: O justo viverá por fé (Rm 1.17). Todas as pessoas que hoje confessam a fé em Jesus Cristo, o Filho de Deus e, em seu nome, foram batizadas, sabem e assumem que a coragem para enfrentar os desafios da vida do presente tempo vem de Deus. O seu Espírito que sopra entre nós nos ensina, defende e acompanha nisto. ‘O retorno à lei da graça é capaz de nos devolver a humanidade nas relações filiais e fraternais. [...] Evangelizar uma sociedade urbana violenta como a das grandes metrópoles brasileiras, entre outras coisas, é provar-lhes, por meio do `testemunho do cordeiro´, da vida cotidiana da Igreja, que ainda é possível viver uma boa relação entre pai e filho; uma relação saudável e graciosa’ (Excelentíssimos Senhores).

Não há justifi cativa para desânimo, para pusilanimidade, pois é possível se alegrar sempre no Senhor (Fp 4.4). Dele vem a nossa força. A aliança de Deus conosco, em Jesus Cristo, é a da alegria. O Novo Testamento é o testamento da alegria, afi rmou certa feita o Reformador. Assumimos liderança responsável enquanto pessoas cristãs sempre por extensão daquela atitude que nos reconciliou e abraçou: a amorosa paternidade divina. Nenhum mal precisa se perpetuar. Medo, insegurança, raiva e violência podem ser diariamente depositados diante daquele que reanima e renova as forças para lutar a favor de salvação e vida plena para as futuras gerações. 

Prof. P. Dr. Gerson Joni Fischer, Ministro Voluntário na Paróquia Cristo Salvador, em Curitiba/PR

Ultima edição

Edição impressa para folhear no computador


Baixar em PDF

Baixar em PDF


VEJA TODAS AS EDIÇÕES


Gestão Administrativa

Ser Igreja de Jesus Cristo em contexto de pandemia

Em perspectiva de balanço do ano que passou, compartilhamos, de forma adaptada e atualizada, partes da Carta Pastoral da Presidência, de Pastoras e Pastores Sinodais, publicada em agosto de 2020. A partir de março de 2020, passamos a conviver com a pandemia do Covid-19, (+)



Educação Cristã Contínua

Igreja que valoriza o Sacerdócio Geral (parte 3/3)

Desafios Com base nas atividades que estão sendo realizadas e considerando o cenário atual, a Coordenação de Educação Cristã (CEC) vislumbra os seguintes desafios para a efetivação da Meta Missionária 1 (Áreas de prioridade (+)

AÇÃO CONJUNTA
+
tema
vai_vem
pami
fe pecc
Toda obra que não tenha por objetivo servir aos demais não é uma boa obra cristã.
Martim Lutero
© Copyright 2024 - Todos os Direitos Reservados - IECLB - Igreja Evangélica de Confissão Luterana no Brasil - Portal Luteranos - www.luteranos.com.br